quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O vício mortal do corporativismo

deputado Edmar Moreira (DEM-MG), recém eleito e recém deposto corregedor da Câmara Federal, encastelou-se numa posição bem vulnerável: propôs o fim dos julgamentos de parlamentares no Conselho de Ética da Casa, pois ali há, segundo ele, o "vício insanável da amizade", o "ambiente de natural fraternidade". O corregedor, que queria abrir mão de corrigir, partiu de uma premissa verdadeira - o "espírito de corpo", que, aliás, não é propriamente amizade, muito menos fraternidade - para chegar a uma conclusão falsa, segundo a qual o Legislativo no Brasil estaria condenado a sempre se autoproteger, a tornar-se - as expressões são minhas - uma "confraria de negócios", uma "pizzaria de luxo".A solução seria, de acordo com ele, remeter qualquer denúncia para o Poder Judiciário. Vale dizer, para as gavetas já entulhadas pela proverbial e, espera-se, não "insanável" lentidão dos processos, sobretudo os que atingem pessoas com poder e prestígio, para as quais a Justiça costuma tardar e falhar. Acontece que o Legislativo é, ao menos em tese, como reza a Constituição, um poder independente, que tem suas regras próprias e, no caso da Câmara dos Deputados, um Código de Ética e Decoro Parlamentar, em vigor desde 2001. Para além das normas penais, que definem crimes e sua punição e dizem respeito a todos os brasileiros, sem exceção ou foro especial, aqueles que recebem mandatos de representação devem obedecer a regras específicas, sempre pautadas pelo interesse público, pela alta responsabilidade coletiva que têm. Em essência, o que se exige dos parlamentares, servidores públicos exemplares e temporários, e que não consta, por óbvio, do Código Penal, é que, no exercício das suas funções eletivas, não abusem de suas prerrogativas, não recebam vantagens indevidas, em benefício próprio ou de outrem, não façam acordos para facilitar a posse de suplentes, não fraudem o andamento dos trabalhos legislativos para alterar deliberações nem prestem informações falsas (art. 4º do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados). Quem tem as melhores condições de avaliar a infringência a essas determinações são os próprios parlamentares, em processos não judiciais, estricto sensu, mas "judicialiformes": as representações no Conselho de Ética, além de garantir amplo direito de defesa aos acusados, permitem uma avaliação rigorosa do que foi denunciado, ouvindo-se testemunhas, e suas deliberações são tomadas por voto aberto. O relator dos casos nunca poderá ser do mesmo partido ou do mesmo estado do representado. Com essas precauções, o deplorável caso do mensalão, em 2005, resultou em nada menos que uma dúzia de deputados com pedidos de perda de mandato no Conselho aprovados por seus "colegas" e rejeitados depois em plenário, graças ao manto espúrio do voto secreto, à exceção dos emblemáticos casos de José Dirceu (PT), Roberto Jefferson (PTB) e Pedro Correa (PP). Em outras ocasiões, mais antigas, o Conselho também deliberou pela interrupção de mandatos e suspensão de direitos políticos de deputados com procedimentos eivados de má-fé e improbidade, claramente contrários à transparência republicana, à dignidade da função pública e à vontade popular (art. 3º do Código de Ética). Portanto, está provado que os Conselhos de Ética dos parlamentos podem e devem agir com independência e rigor em relação ao "compadrio" e aos desmandos com o dinheiro público. Se eles são, como o da legislatura atual na Câmara Federal, mais de "estética e decoração", isso se deve à pequena participação cidadã e à declinante pressão por ética na política. Esta desmobilização popular quanto ao controle de seus representantes, estimulada pelos grandes partidos e até por altas autoridades da República, é também alimentada pela descrença galopante na política institucional e por sucessivos casos de absolvição corporativista e recomposição do poder político de notórios farsantes, nesse insosso seriado caricaturado como "a volta dos que não se foram"...Apesar desses fatores de compreensível desencanto, não seria compatível com a dinâmica social e histórica aceitar a corrupção, a impunidade ou a memória curta como regras, ou como parte "insanável" da cultura política nacional. Isto significaria desistir de vez da democracia representativa e de seus instrumentos, como os códigos, conselhos e corregedorias de defesa da ética pública. Esses mecanismos democráticos, porém, só funcionarão com a permanente

autor:Deputado Federal Chico Alencar

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Porque revisitar a História de Nova Iguaçu?
Marize Conceição de Jesus¹A forma de se produzir História vem mudando desde o início do século XX. Vários foram os debates que se seguiram nas academias e muitos foram os historiadores que buscaram uma nova forma de escrever história, que não fosse a história positivista, baseada em fatos e determinada por uma ordem linear e cronológica, a história política dos grandes feitos e dos grandes homens.Da história econômica de Marx à história problema da Escola dos Analles, há muito os historiadores vêm buscando preencher as lacunas deixadas tanto pela História Política, quanto pela História Econômica, procurando dar voz as massas anônimas, pautando-se em uma postura interdisciplinar, que abordem temas ligados a vida cotidiana, produzindo História, preocupados com a pesquisa e com a busca de novas fontes variadas, em especial os relatos orais. Estes, usados como fonte de pesquisa, nos permitem fazer um contraponto com um discurso corrente que não reconhece as versões diferenciadas a respeito de um determinado fato. Com os relatos orais é possível reconstruir as diversas histórias de vida que no seu conjunto permitem olhar para a história oficial a partir de um outro ângulo, de uma nova ótica que efetivamente nos permitirá compreender e problematizar o fato estudado.(...) “preocupando-se com a história dos indivíduos, das comunidades “pequenos enredos construídos a partir de tramas aparentemente banais, envolvendo gente comum.” Neste contexto, Nova Iguaçu e a Baixada Fluminense contam hoje com algumas pesquisas (monografias, dissertações, teses) produzidas nas mais diversas áreas do conhecimento, que de alguma forma mostram não apenas os interesses econômicos e políticos de uma elite agrária e comercial, mais a luta pela sobrevivência de índios, escravos, meeiros, negros, nordestinos, mulheres, forasteiros , que através de seu trabalho, construíram a Nova Iguaçu de hoje.Durante muito tempo, a pesquisa sobre a história de Nova Iguaçu esteve embasada nos chamados ciclos econômicos e nos grandes feitos de seus ilustres moradores: proprietários de terras, a elite econômica e política, endeusados como os grandes benfeitores da região . Textos repletos de ufanismos que buscavam inserir a história local, na história do Brasil (através da relação dos coronéis da região com o Império, e da importância econômica desta para a capital imperial) , análises generalizantes que passavam longe das relações sociais particularizadas que foram se formando e que a partir delas se construiu a sociedade iguaçuana, composta não só de uma elite sócio econômica, mas, principalmente de outros agentes sociais: índios, escravos, negros, nordestinos, mulheres, artistas. Se os primeiros já são alvos de pesquisas, cabe agora, aos pesquisadores: historiadores, geógrafos, sociólogos, entre outros, dar voz a outros agentes sociais. “uma multiplicidade de narradores, testemunhas nunca ouvidas de uma história social, porém, ocultos das fontes “oficiais”de pesquisa...Reinterpretar o passado à luz das memórias individuais e coletivas...de agentes históricos que viveram ou participaram direta ou indiretamente de determinados períodos da história nacional, porém alijados da mesma.” “ No sentido mais geral, uma vez que a experiência de vida das pessoas de todo tipo possa ser utilizada como matéria-prima, a história ganha nova dimensão (...)(...) reconhecendo grupos importantes de pessoas que haviam estado ignoradas, dá-se início a um processo cumulativo de transformações. Amplia-se e enriquece o próprio campo de ação da produção histórica, e, ao mesmo tempo, sua mensagem social se modifica. Para ser claro, a história se torna mais democrática.” Hoje, ainda que nadando contra a maré dos que se postaram como “guardiães da memória da Baixada Fluminense”, alguns pesquisadores vêm se debruçando sobre a história de outros personagens, buscando dar voz aos supostos vencidos, desta forma dando outras versões para os fatos históricos, reconstruindo a história da Baixada e de Nova Iguaçu sob uma nova ótica. Entendemos que é demasiado importante pesquisar mais sobre os povos nativos desta região, e as relações travadas com os mesmos. Falar dos tropeiros, homens livres e pobres que com seu trabalho ajudaram na expansão e integração regional e econômica desta região; pesquisar sobre escravos e negros e de que forma estes sobreviveram nesta região a ponto de torná-la uma das maiores em população negra do país .Nova Iguaçu durante muito tempo foi exaltada como “ cidade perfume” e os grandes produtores de laranjas como os responsáveis por colocar a cidade nos rumos da modernidade . No entanto, pouco se falou nos trabalhadores, sitiantes e meeiros que trabalhavam diretamente na produção de laranja e de como alguns ficaram sem moradia e sustento a partir da crise da citricultura e da expansão dos loteamentos e do crescimento populacional ocasionado por este fator. Falar da população que veio para esta região, na sua maioria nordestinos, operários nas indústrias do Rio de Janeiro, seduzidos pelas facilidades dos loteamentos ou dos financiamentos de casas nos conjuntos habitacionais que vão aos poucos criando uma outra paisagem para Nova Iguaçu, abrindo ruas, criando bairros, se organizando na igreja, em associações de moradores, nos sindicatos e desta forma peculiar vão trazendo melhorias para as comunidades na medida em que o poder público se isenta de suas responsabilidades. Entendemos que a história de Nova Iguaçu está repleta de silêncios, de não ditos que precisam ser elucidados, uma vez que temos uma região complexa, formada pela dualidade de grupos sociais distintos, cujas relações conflituosas não necessariamente estiveram presentes nos escritos históricos a respeito da região, e que nestes, assim como na história do Brasil, prevaleceram a versão daqueles que detinham o poder político-econômico em detrimento dos outros atores sociais que buscaram formas de sobrevivência em meio as dificuldades e rupturas e a necessidade de superar a segregação e a exclusão social lhes impostas. Um dos caminhos trilhados em nossa pesquisa foi o registro da memória dos personagens anônimos que construíram a História de Nova Iguaçu e da Baixada Fluminense. A memória dos moradores, dos atores sociais, descortinam identidades particularizadas e inúmeros conflitos nos quais se assentaram a história desta localidade. Democratizar a história da Baixada Fluminense e de Nova Iguaçu, revisitá-la, fazer uma releitura nos documentos, nas fontes escritas, retirar delas estes agentes que passaram despercebidos a uma primeira leitura. Buscar relatos que possam trazer a tona fatos que nos permitam outra compreensão, outro olhar a respeito da história desta localidade.É a partir desta breve análise que nos propomos pesquisar a história de Nova Iguaçu e deste modo contribuir para o entendimento das múltiplas realidades que formaram a história de nossa cidade.¹- Especialista em História Social do Brasil/Profª da rede pública estadual